Uma questão de paradigma
Com quase 50 anos de trabalho nesta área de ensino, cheguei à conclusão de que quando usamos o termo “Yôga”, as pessoas entendem qualquer coisa, menos Yôga. É como se, ao usar a palavra mágica “Yôga”, o usuário disponibilizasse um drive defeituoso para ler o arquivo e, como um HD mal programado, não conseguisse absorver as informações corretamente.
Para que ele consiga entender – mais ou menos – o que estamos dizendo, precisamos pedir que substitua a palavra Yôga por outra como Ballet, Violino, Pintura, Escultura, Aikidô, Capoeira, Golfe ou Ginástica Olímpica. Aí o interlocutor nos olha com uma indisfarçável perplexidade de quem acabou de despertar e, se for inteligente, percebe que estava sendo preconceituoso nas suas interpretações anteriores.
Isso ocorre quando alguém pergunta: “Mas o que é o Yôga?” Ora, alguém perguntaria o que é Golfe? No entanto, as pessoas sabem tanto sobre esse esporte quanto sabem sobre a nossa arte. Ou seja, nada! Apesar disso, ninguém pergunta o que é Golfe. Como pode, então, tanta gente perguntar sistematicamente o que é o Yôga se há mais de meio século esse tema está sendo abordado em todas as revistas, jornais e emissoras de televisão? “Para que serve o Yôga?” Alguém perguntaria para que serve Tênis, ou Dança de salão, ou Pintura, ou Escultura? O objetivo Yôga não é “servir” para alguma coisa a fim de que as pessoas o pratiquem. O Yôga é bem mais do que isso. Basta substituir a palavra Yôga pelo nome de alguma outra filosofia, arte ou modalidade esportiva e percebemos que o “drive” estava mesmo defeituoso e leu errado o conteúdo do arquivo.
Fenômeno idêntico se verifica quando este ou aquele indigna-se ao ler que o Yôga é para gente jovem (note bem: eu não insinuei que os mais velhos estivessem impedidos de praticar, mas apenas que não direcionamos o nosso trabalho à terceira idade). Contudo, se substituirmos a palavra Yôga, ninguém se melindra caso alguém declare que Ginástica Olímpica é para gente jovem.
A disciplina e a reverência observadas em uma escola de Aikidô são muito semelhantes às que se preconizam em uma escola de Yôga. Mas sendo ambiente de Yôga, tais atitudes são tachadas de misticismo. No âmbito das artes marciais, ao contrário, as mesmas atitudes são admiradas e elogiadas como exemplos de seriedade, ordem e bom comportamento.
O Mestre de Capoeira é respeitado em seu título, mas o Mestre de Yôga tem que amargar as insolências de certas pessoas que se sentem incomodadas com o nome da sua profissão, seu grau legitimamente conquistado, pessoas essas que recusam-se petulantemente a lhe conceder o mesmo tratamento que confeririam a um Mestre de Jangada ou a um Mestre de Xadrez.
Uma das circunstâncias mais surrealistas é quando a Imprensa vem nos entrevistar sobre Yôga e não nos deixa falar de Yôga. Quer que respondamos perguntas sobre amenidades, celulite, terapia, misticismo, religião, zen e tudo o que o Yôga não é. Quando começamos a dissertar sobre o fascinante e expressivo universo do Yôga como uma cultura abrangente que está arrebatando o interesse de milhões de jovens em tantos países, proporcionando refinamento, aprimoramento pessoal e evolução interior, bem... aí o jornalista não escreve nada do que o entrevistado declarou e completa as lacunas por conta própria com os lugares-comuns que o editor-chefe lhe incumbira.
As pessoas entendem por Yôga algo que o consumidor faz dentro da sala de uma academia: uns respiratórios, umas técnicas esdrúxulas, uns relaxamentos. Nós entendemos por Yôga toda uma cultura muito mais abarcante, que inclui tudo o que façamos no trabalho, no es-porte, nos estudos, na arte, nas relações afetivas, no relacionamento social, na alimentação e nos hábitos de vida. Então, quando aludimos ao Yôga, não estamos nos referindo à mesma coisa que nosso interlocutor está escutando. Assim sendo, se as pessoas percebem por Yôga outra coisa, a solução é evitar esse termo para minimizar os mal-entendidos. De que chamar, então, isso que nós chamamos de Yôga, mas que a população não compreende dessa forma? Decidimos denominar essa filosofia de “A Nossa Cultura”.
Mestre DeRose