Orientação ao leitor de Yôga
Mestre DeRose
Há diversos tipos de literatura de Yôga. Vou descrever alguns para que você possa ter idéia do que está adquirindo ao comprar um livro sobre a matéria.
- Os mais confiáveis são os livros escritos por yôgis que vivenciaram experiências e relatam os meios para obter bons resultados.
- Em segundo lugar, vêm os que estão aquém da iniciação prática e teorizam a mais não poder com o fim de tentar compreender o que os primeiros ensinam. Este tipo de literatura é identificada facilmente uma vez que seus autores costumam usar frases tais como: "os yôgis dizem..." ou "segundo os yôgis...", porquanto reconhecem que eles mesmos não sabem e tampouco são yôgis.
- Depois, surgem os que simplesmente repetem aquilo que disseram os primeiros e os segundos, elaborando uma literatura de terceira, totalmente desnecessária, dispensável e meramente plagiada. Também é facílimo identificar esses livros já que seus autores abusam de frases de terceiros, acompanhadas de "conforme diz Fulano", "segundo Sicrano", "na opinião de Beltrano", etc.
- Não podem faltar os que publicam livros popularescos, para consumo e pseudo-informação dos leigos. Leigos, antes de lê-los. Depois, passam a ser desinformados e iludidos. Passam a repetir disparates. Geralmente os títulos são algo como: "cure a sua doença com a yóga" ou "yóga em 10 lições". Claro que pode haver exceções. Recordemos sempre: "Todas as generalizações são perniciosas, inclusive esta."
- Há, ainda, os livros que misturam tudo o que é oriental e fazem uma salada de Índia, Tibet, Nepal, Egito, China e Japão, baralhando Hinduísmo, Budismo, Taoísmo, Xintoísmo, Sufismo, Xamanismo, Zen e o que mais o autor tiver lido. É que os ocidentais sucumbem ingenuamente à síndrome da ilusão de perspectiva, segundo a qual “Oriente” é um lugar muito distante, lá onde as paralelas se encontram. Então, julgam que todas as filosofias orientais conduzem ao mesmo lugar. Além disso, o escritor ocidental acha que constitui demonstração de cultura encontrar pontos de convergência entre os múltiplos sistemas. Com isso, o leitor adquire um livro de Yôga, porque queria Yôga, e acaba levando para casa uma série de outras coisas que não queria e só servem para encher as páginas que o conhecimento limitado do autor ia deixar em branco, caso se ativesse ao assunto proposto. Há um livro que pretende dissertar sobre mudrás do hinduísmo e, inadvertidamente, a obra passa a miscelanear mudrás de outros sistemas e países. Tal procedimento induz o estudante ao erro de introduzir mudrás alienígenas numa prática ortodoxa de Yôga, achando que está agindo corretamente. Estou farto de corrigir alunos de Yôga que sentam-se para meditar e põem as mãos em mudrá do Zen! Isso é uma gafe equivalente a executar um katí de Kung-Fu numa aula de Karatê ou sair dançando tango numa aula de ballet clássico. Eu mesmo, quando jovem, utilizava mantras em hebraico, da Cabala, nas práticas de Yôga, pois os livros que lia induziam a isso e ninguém me advertiu em contrário, como estou fazendo agora. Misturar, além de não ser procedimento sério, pode produzir conseqüências imprevisíveis. Em tempo: o Yôga mais antigo é de raízes Tantra e Sámkhya, portanto, essas três filosofias possuem compatibilidade de origem.
- No entanto, os livros mais perniciosos são os que visam à doutrinação do leitor para alguma outra ideologia e usam como chamariz o nome do Yôga, já que este tem um respeitável fã clube. O interessado compra o livro e leva gato por lebre. Se houver 5% de Yôga em todo o volume, é muito. O resto costuma ser proselitismo para a favor de alguma seita exótica. O Yôga mais antigo – pré-clássico e clássico – era Sámkhya (naturalista). Portanto, o Yôga mais autêntico é dessa corrente. Na Idade Média apareceu um Yôga moderno, de linha Vêdánta (espiritualista). Como saber se o livro de Yôga é de tendência Sámkhya ou Vêdánta? Aqui vão algumas dicas para o leitor que tem poucas noções das duas filosofias citadas.
a) Os livros que mencionam mais vezes o termo Púrusha e poucas (ou nenhuma) o termo Atmam, para designar o Self, costumam ser de tendência Sámkhya.
b) Ao contrário, os que citam muitas vezes o vocábulo Atmam e poucas (ou nenhuma) a palavra Púrusha, são quase sempre de linha Vêdánta ou, eventualmente, alguma outra sob sua influência.
c) Já os que usam indiscriminadamente os dois termos, não são de linha nenhuma. Nem sabem que existem linhagens e que é filosoficamente impossível você não se definir por uma única. Questionados a respeito, afirmam com orgulho fiasquento: "não sou de nenhuma linha específica – sou de todas"! Esses são certamente autores ocidentais (ou, em alguns casos, orientais sem iniciação). Não tiveram um bom Mestre. Se tiveram, não entenderam nada do que lhes foi ensinado.
Por que recomendamos que o aluno comece estudando as obras indicadas
Aquele que lê maus livros não leva vantagem sobre aquele que não lê livro nenhum.
Mark Twain
Antes de se ter algum tipo de relação profissional com livros,
não se descobre quão ruim é a maioria deles.
George Orwell
Nos meus primeiros livros, eu recomendava uma bibliografia eclética e me orgulhava disso. Afinal, um estudante nosso travaria contato com uma profusão de autores e tradições. Depois de vinte anos de magistério, precisei reconsiderar minha posição. É sabido que recomendo aos meus estudantes o cultivo de uma cultura geral bem abrangente através do hábito da leitura. Ocorre que a quase totalidade dos livros deste segmento embaralham Yôga com o que não é Yôga, misturam Yôga com sistemas apócrifos e mesclam Yôga com filosofias que são conflitantes com ele.
No afã de acrescentar mais alguma coisa, o autor freqüentemente embaralha alhos com bugalhos, como foi o caso de um livro intitulado Mudrás, que começa descrevendo os mudrás do hinduísmo e no meio passa a ensinar mudrás de outras tradições, que não têm nada a ver com o Yôga. Só que a autora se esquece de deixar isso bem claro – pois não basta mencioná-lo en passant. Se o leitor tratar-se de um estudante em formação de instrutorado, quando formado ensinará aquela salada mista numa classe, sem nem sequer tomar conhecimento da barafunda. O pior é que tal comportamento tornou-se uma pandemia no planeta e todos acham que a misturança não tem nada de mais. No entanto, seria como ensinar um katí de Kung-Fu no meio de uma classe de Karatê, ou sair dançando gafieira numa aula de balé clássico. Uma verdadeira heresia!
Comecei a perceber isso bem cedo, mas demorei para tomar uma atitude porque estava com paralisia de paradigma e achava que, se todos faziam mesclas, não seria eu a adotar uma postura antipática, correndo mesmo o risco de exprobração pública.
Um dia, estava eu na sala do meu, então, editor (há muito tempo já não trabalho mais com aquela editora) quando fui apresentado ao jardineiro da empresa. Bem, ninguém me disse que ele era o jardineiro, mas suas roupas, seu linguajar e suas unhas o denunciavam. Entretanto, ao ser apresentado, meu editor declarou:
– DeRose, você conhece o Chico?
– Não – respondi.
– Claro que conhece. Ele é o autor de sessenta livros desta editora, entre eles os livros sobre astrologia, numerologia, biorritmo, sucos, física quântica, maçonaria, reiki, florais, cristais, homeopatia, budismo…
Meio constrangido, supus que meu apressado julgamento anterior tivesse sido afetado pelo preconceito. Afinal, ele podia ter tido origem humilde, mas ser um gênio. Só que aí o editor acrescentou:
– Talvez você não o conheça de nome porque cada livro ele escreve sob um pseudônimo diferente. O da cura pelas frutas, por exemplo, ele assina como Dr. Fisher.
A essa altura comecei a considerar que meu julgamento inicial não estava tão mal assim. Se alguém já começa um livro mentindo sobre o seu próprio nome, quanto mais não inventará no conteúdo? Mesmo assim, dirigi-me ao profícuo escritor e lhe perguntei:
– Como você consegue escrever tanto? Eu levo anos para finalizar um livro!
Sua resposta foi surpreendente:
– É simples. Eu vou a uma biblioteca e pego tudo o que eles tiverem sobre qualquer assunto que me pareça assemelhado com o tema do meu futuro livro. Levo os volumes para casa, abro tudo em cima da mesa e vou copiando no computador uma frase de um, uma frase do outro… Em uma semana o livro está pronto.
Fiquei tão ultrajado que nunca mais quis editar um livro meu por aquela editora. Sim, porque senti que eu estava sendo julgado um elemento da mesma laia daquele vigarista, enganador, plagiador e mais uma porção de adjetivos que não me permito escrever. Ainda expressei minha indignação antes de deixar para sempre a referida editora. Mas a justificativa do editor foi o pior:
– Esse é o mercado, DeRose. Um livro não vende mais por ser mais sério. Ele vende mais por dizer as mentiras que as pessoas querem ouvir, por ter um título apelativo e uma capa da moda.
Foi então que resolvi provar que obras sérias poderiam vender bastante e dediquei a minha vida a escrever e divulgar tais livros. Foi também, a partir de então, que nunca mais indiquei aos meus alunos ou leitores uma seleção bibliográfica qualquer, e passei a recomendar estritamente os livros que são realmente confiáveis. Reduzi a recomendação a cerca de 50 livros que incluem autores de várias linhas de Yôga, mas todos eles escritores íntegros.
Quanto às traduções, quando há mais de dez anos um livro meu foi traduzido na Espanha, ao efetuar a revisão encontrei nada menos que 3500 erros! Alertado por mim, o editor conseguiu corrigir 90% deles, o que significa que, ainda assim, o livro foi publicado com 350 erros. Que tipo de erros? Em certa passagem eu escrevi que determinada técnica era para bombear comburente para os pulmões. Referia-me, obviamente, ao oxigênio. A tradutora fez constar que era para bombear combustível para dentro dos pulmões. Imagine uma coisa dessas lida por uma pessoa inculta, ou muito crédula, ou um pouco desequilibrada. Não duvido que obedecesse à risca e fosse capaz de bombear gasolina para dentro dos pulmões! Conclusão: as traduções mal feitas são perigosas e praticamente todas as traduções são mal feitas.
Faço questão de revisar meus livros em espanhol, francês, inglês e italiano. No entanto, sei que os demais autores não têm esse cuidado nem dominam outras línguas. O português, por exemplo, nenhum deles fala (ou falava, quando vivo). Além disso, a maioria já havia falecido à época das traduções. Calcule a quantidade de erros que coalham seus livros. Isso já descartaria da nossa lista as obras traduzidas. No entanto, sou obrigado a indicar algumas delas, respaldado no bom nome do autor e na impossibilidade do leitor médio brasileiro ler em inglês ou francês.
Os esclarecimentos deste artigo são para que você valorize os livros recomendados, para que você os leia primeiro e para que compreenda nossas reservas quanto ao aluno inexperiente e sem nenhum lastro cultural sair por aí lendo qualquer coisa.
Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, esvai-se em milhares de livros mais áridos do que três desertos.
Nelson Rodrigues