Origens do Yôga
O estudo do Yôga e da sua história é cativante por tratar-se de uma aventura no tempo e no espaço. Primeiramente, transportamo-nos ao Oriente, à Índia, região para nós misteriosa, transbordante de magia, divindades, poderes, fenômenos, montanhas e rios sagrados, templos e monges.
Além dessa viagem ao Oriente, precisamos realizar uma expedição no tempo, recuando mil, dois mil, três, quatro, cinco mil anos! Como seria o povo que viveu naquela época? Quais seriam seus valores e estrutura comportamental? Para termos uma idéia mais precisa do que significa isso, se retornarmos no tempo dois mil anos, estaremos próximos do ano zero da Era Cristã. Se voltarmos mais dois mil, ainda faltarão mil anos para chegarmos ao palco temporal em que tudo começou.
A opção pelo Yôga Pré-clássico
Muita gente pergunta-nos a razão pela qual elegemos para ensinar especialmente o Yôga Pré-Clássico. Não seria mais confortável trabalhar com o Clássico ou algum mais moderno, dos quais encontra-se bibliografia às mancheias? Por qual motivo dedicar-nos a uma modalidade que é considerada extinta na própria Índia e de tão difícil investigação? A resposta é: o Yôga mais antigo é o melhor, o mais autêntico, o mais completo, o mais forte e o mais lindo. Ainda que ele não o fosse, constituiria uma experiência fascinante pesquisar o Yôga Primitivo por tratar-se de um dos mais arcaicos patrimônios culturais da Humanidade, uma verdadeira escavação de arqueologia filosófica. É deslumbrante resgatar esse tesouro quase perdido.
Um tesouro quase perdido, uma vez que ninguém mais se dedica a ensinar o Yôga Original. No dias atuais, virtualmente todos preferem ensinar o Yôga Moderno, que é utilitarista. O Yôga Moderno acena o tempo todo com benefícios, como se a coisa em si nada valesse e fosse necessário prometer alguma vantagem em troca da dedicação do aluno. O que pensaríamos de um professor de violino que, ao invés de focar pura e simplesmente a procura do público na arte de ser violinista, preferisse apelar para os benefícios terapêuticos da música? Sairia dali algum Yehudi Menuhin, alguma Vanessa Mae? O Yôga Antigo, além de ser uma filosofia, é uma arte. Devemos praticá-lo se já há algo dentro de nós que nos impele a ele, tal como impele o artista a pintar.
Qual é o Yôga mais autêntico
Não há dúvida de que o Yôga mais autêntico é o original. Todos concordam com essa premissa. O primeiro a surgir é o mais legítimo. As outras variedades modificaram a proposta e a estrutura inicial, conseqüentemente, passaram a oferecer versões menos genuínas. É aí que muita gente se melindra com a verdade, pois ela poderia estar afirmando que o Yôga professado por este ou por aquele não é tão fidedigno. E isso é difícil de se aceitar. Requer muita humildade e pouco ego. Contudo, a verdadeira proposta do Yôga original é relativamente fácil de se demonstrar pelo estudo da Cronologia Histórica do Yôga.
Era uma vez, há 5.000 anos...
O Yôga tem 5000 anos de existência. Nesses cinco milênios, foi desvirtuado sucessivas vezes. Façamos uma comparação. Estamos no século XXI da Era Cristã. Muito bem. Existe uma luta chamada Capoeira, que é legitimamente brasileira. Tem suas raízes em tradições africanas, porém nasceu no nosso país. Imagine que, hipoteticamente, dentro de alguns anos, a Amazônia fosse invadida com o pretexto de ocupá-la para salvar tal patrimônio da humanidade das mãos desses latino-americanos irresponsáveis que a estão destruindo.
Eles invadem o Brasil que, tal como os drávidas que viviam na Índia há 5.000 anos, não tem tradição guerreira. Já os invasores, esses sim, têm uma história de guerras, conquistas e império, tal como os sub-bárbaros arianos que invadiram a Índia e cometeram o primeiro grande desnaturamento do Yôga. Como ocorreu com o Império Romano, que ia incorporando outras culturas (ao absorver do Lácio o latim, da Grécia a arquitetura, escultura, mitologia, etc.), esse novo império absorve a Capoeira. Em pouco tempo, digamos, um século, classificam-na como dança (“afinal, eles não dançam?”). E a reestruturam, pois isso de bater atabaques e tocar um instrumento de cordas com uma corda só é muito primitivo. Eliminam os tambores e substituem o berimbau pela guitarra eletrobioplásmica, com acompanhamento de “sincretizador” (que substituirá o computador, aquela máquina primitiva que vivia “dando pau” e pegando vírus).
Passam-se mil anos. Lá pelo ano 3000 da era Cristã, ocorre outra invasão. O Brasil é ocupado por uma terceira etnia e novos Mestres de Capoeira introduzem uma codificação que a define como religião (“afinal, eles não se benzem antes de jogar?”). Uma dança reli-giosa, uma dança ritual. Surgem mosteiros, templos e igrejas do culto Capoeirista. Essa vertente passa a ser conhecida como Capoeira Clássica.
Passado mais um milênio, em torno do ano 4000, já não se fala a mesma língua, nem habita neste território o mesmo povo e a Floresta Amazônica nem existe mais. Surpreendentemente, a Capoeira sobreviveu e tem mesmo um sólido sistema cultural que a preserva. Só que agora, após alguns concílios, decidiram que Capoeira é uma terapia. Passa a ser uma dança espiritual terapêutica.
Mais um milênio se passa. Estamos lá pelo ano 5000 d.C. Ninguém mais se lembra das suas origens. Criam mitologias. Surgem versões negando que a Capoeira tenha surgido numa nação mítica chamada Brasil, a qual teria existido há tanto tempo que caiu no esque-cimento. Alguns eruditos defendem que a Capoeira teria sido criada pelos negros escravos, mas a etnia então dominante nega-o peremptoriamente, e ameaça de punição quem se atrever a insistir nessa invencionice subversiva. A Capoeira é institucionalizada como uma prática para a terceira idade. Torna-se uma dança espiritual terapêutica para idosos.
Outros mil anos são transcorridos. Estamos agora no ano 6000 da Era Cristã. Todas as evidências de uma civilização latino-americana desapareceram, apagadas intencionalmente pelos cientistas e religiosos desse novo período histórico. A opinião pública de então, decide que Capoeira é para mulheres, que é ótima para TPM, gestação, rugas, celulite, varizes e que rejuvenesce. A Capoeira passa a ser classificada como uma dança espiritual, terapêutica, para idosos e para mulheres. Quem afirmar que a Capoeira legítima é uma luta, destinada a pessoas jovens e saudáveis, passa a ser acusado de discriminar os enfermos, os idosos e as mulheres; é acusado de ser polêmico; torna-se perseguido e severamente castigado com a difamação, a execração e ameaças de morte.
Bem, no caso da Capoeira, nós só imaginamos 4000 anos de deturpações, do ano 2000 ao ano 6000 d.C. No caso do Yôga precisamos computar mais um milênio de distorções, já que essa filosofia conta com cinco mil anos de existência.
Evidências da existência do Yôga Primitivo
Em nossos estudos e mais de 20 anos de viagens à Índia detectamos um erro gravíssimo cometido pela maior parte dos autores de livros e pelos professores de Yôga. Declaram eles com freqüência que o Yôga mais antigo é o Yôga Clássico, do qual ter-se-iam originado todos os demais. É muito fácil provar que estão sofrendo de cegueira paradigmática. Para começo de conversa, nada nasce já clássico. A música não surgiu como música clássica. Primeiro nasceu a música primitiva que foi origem de todas as outras até que, muito tempo depois, apareceu a música clássica. A dança é outro exemplo eloqüente. Primeiro surgiu a dança primitiva que deu origem a todas as outras modalidades e precisou consumir milhares de anos até chegar a um tipo chamado dança clássica. Nada nasce já clássico. E assim foi com o Yôga. Inicialmente, nasceu o Yôga Primitivo, Pré-Clássico, pré-ariano, pré-vêdico, proto-histórico. Ele precisou se transformar durante milhares de anos para chegar a ser considerado Yôga Clássico. Provado está que o Yôga Clássico não é o mais antigo, conseqüentemente, não nasceram dele todos os demais – o Pré-Clássico, por exemplo, não nasceu dele.
Além dessa demonstração, nas escavações em diversos sítios arqueológicos foram encontradas evidências de posições de Yôga muito anteriores ao período clássico; e textos que precederam essa época já citavam o Yôga. É interessante porque, ao mesmo tempo em que todos os autores afirmam que o Yôga tem mais de 5000 anos de existência, a maioria declara que o Yôga mais antigo é o Clássico, o qual foi surgir apenas no século terceiro antes da Era Cristã, criando uma lacuna de 3000 anos, o que constitui incoerência, no mínimo, em termos de matemática! Mas como doutos escritores e Mestres honestos puderam cometer um erro tão primário?
Acontece que a Índia foi ocupada pelos áryas, cujas últimas vagas de ocupação ocorreram em cerca de 1500 a.C. Isso foi o golpe de misericórdia na Civilização Harappiana, de etnia dravídica. Conforme registraram muitos historiadores, os áryas eram na época um povo nômade guerreiro sub-bárbaro. Precisou evoluir mil e quinhentos anos para ascender à categoria de bárbaro durante o Império Romano. A Índia foi o único país que, depois de haver conquistado a arte da arquitetura, após a ocupação ariana passou séculos sem arquitetura alguma, pois seus dominadores sabiam destruir, mas não sabiam construir, já que eram nôma-des e viviam em tendas de peles de animais.
Como sempre, “ai dos vencidos”. Os arianos aclamaram-se raça superior (isto lembra-nos algum evento mais recente envolvendo os mesmos arianos?) promoveram uma “limpeza étnica” e destruíram todas as evidências da civilização anterior. Essa eliminação de registros foi tão eficiente que ninguém na Índia e no mundo inteiro sabia da existência da Civilização Harappiana, até o final do século XIX, quando o arqueólogo inglês Alexander Cunningham começou a inves-tigar umas ruínas em 1873. Por isso, as Escrituras hindus ignoram o Yôga Primitivo e começam a História no meio do caminho, quando o Yôga já havia sido arianizado.
Tudo o que fosse dravídico era considerado inferior, assim como o fizeram nossos antepassados europeus ao dizimar os aborígines das Américas e usurpar suas terras. O que era da cultura indígena passou a ser considerado selvagem, inferior, primitivo, indigno e, até mesmo, pecaminoso e sacrílego. Faz pouco menos de quinhentos anos que a cultura européia destruiu as Civilizações Pré-Colombianas e já quase não há vestígio das línguas (a maioria foi extinta), assim como da sua medicina, das suas crenças e da sua engenharia que construiu Machu Picchu, as maiores pirâmides do mundo, os templos e as fortalezas, cortando a rocha com tanta perfeição sem o conhecimento do ferro e movendo-as sem a utilização da roda.
Da mesma forma, na Índia, após mil e tantos anos de dominação ariana, não restara vestígio algum da extinta Civilização Dravídica. O Yôga mais antigo? “Só podia ser ariano!” Descoberto o erro histórico há mais de cem anos, já era hora de os autores de livros sobre o assunto pararem de simplesmente repetir o que outros escreveram antes dessa descoberta e admitirem que existira, sim, um Yôga arcaico, Pré-Clássico, pré-vêdico, pré-ariano, que era muito mais completo, mais forte e mais autêntico, justamente por ser o original.
A maior parte deste texto foi extraída do livro Origens do Yôga Antigo do Mestre DeRose.